Ensaio Alfa Romeo Stelvio Q4: razão e emoção
11/07/2017Será, possivelmente, o carro mais importante deste novo fôlego da Alfa Romeo e um dos mais significativos nos mais de cem anos de história da casa de Arese e a marca do Biscione conta com ele para duplicar as vendas e aumentar a sua presença no segmento Premium. Ensaio à versão com tração integral e motor a gasolina com 280 CV. Como um Alfa Romeo deve ser!
Heresia podem clamar alguns puristas, mas não vale a pena rasgar as vestes como os hebreus faziam no primeiro século nem cobrir a cabeça com brasas em sinal de tristeza, pois um SUV Alfa Romeo é inédito, mas inevitável nos tempos que correm. E, para mim, é uma belíssima ideia e um belíssimo automóvel.
Utilizando a mesma plataforma que está na base do Giulia (a Giorgio que custou mais de mil milhões de euros), os mesmos motores e até a mesma transmissão, o Stelvio tem, aqui, um atestado de qualidade. E não vale a pena bater no estafado argumento da fiabilidade da Alfa Romeo, pois isso faz parte da história, gloriosa, diga-se!, da casa de Arese. Hoje não há problemas desses e na questão dos materiais usados no habitáculo, sim, é verdade, o Stelvio não se aproxima dos rivais alemães. Mas, que diabo!, tudo se mede pela qualidade?! E o bem estar a bordo? E a excelente posição de condução? E o volante colocado de forma perfeita? E o detalhe do botão que coloca o motor a funcionar, colocado no volante? E a emoção que se sente dentro de um Giulia, perdão, do Stelvio?
E depois, juro!, andei à procura de detalhes menos conseguidos. Sim, procurei para ver se havia painéis soltos, plásticos com rebarbas, peças soltas. Abri e fechei as portas dezenas de vezes, andei a dar voltas ao carro a ver se havia folgas á antiga e plásticos a cair. Nada! Até o botão de controlo do sistema de info entretenimento – que critiquei no Giulia – está melhor no Stelvio! Aliás, a qualidade do Stelvio no interior está um degrau acima do Giulia! Isso pode ser visto nas bolsas das portas, forradas a alcatifa…
É verdade que a interface homem máquina do sistema de info entretenimento não é brilhante, o ecrã do sistema não é gigantesco e faltam alguma coisas no equipamento. Nada de fundamentalmente necessário, apenas coisas que os alemães oferecem e que a Jaguar também oferece no F-Pace, talvez o mais perigoso rival do Stelvio. Contas feitas, não há nada a recriminar de forma clara no que toca á qualidade do Stelvio. É verdade que não chega aos patamares de Audi, BMW ou Mercedes, mas pelo menos tem alma e sabe bem-estar a bordo do Stelvio.
E porque há coisas que devem ser acauteladas, o Stelvio exibe uma bagageira com suficientes, embora não referenciais, 525 litros de capacidade na mala, um acesso baixo e largo com abertura e fecho do portão traseiro automático e no que toca à habitabilidade, um salão.
O Stelvio é lindo! Podem dizer o que quiserem, esta é a minha opinião e como o estilo é uma questão de gosto, eu assumo a minha como uma opinião pessoal. A mistura de curvas e linhas retas, uma traseira sensual e uma frente talvez não muito feliz, formam um conjunto sedutor que nos esfrega na cara “sou italiano!”.
Franqueada a larga porta (maior que no Giulia) temos de subir para o banco porque quando nos sentamos ficamos 19 cm mais altos que na berlina. Fechada a porta com um saudável “thump”, imediatamente se pensa estar dentro do Giulia, pois tudo é igual. O que não é evidentemente mau. Carregando no botão “start/stop” damos vida ao bloco de 2.0 litros que, no modelo que me tocou em sorte, tinha 280 CV. Porque a gasolina? Porque, para mim, um Alfa Romeo tem de ser a gasolina. E como vamos ver adiante, a ideia até nem é tão parva assim.
Todos os Stelvio, nesta fase, têm tração integral não permanente, denominada Q4. O sistema analisa continuamente as condições do terreno e o comportamento do carro, mas funciona maioritariamente como um tração traseira que pode desviar até 50% do binário para as rodas da frente. A base do Stelvio, como já disse, é a mesma do Giulia por isso na frente está um sistema de duplo triângulo sobreposto e na traseira um eixo independente multibraços. Quer isto dizer que será possível andar em estrada, em alguns estradões e, quanto muito, uma ou outra incursão a um terreno mais acidentado. Mas como os homens da Alfa Romeo admitiram, o Stelvio está desenhado para replicar a forma como o Giulia se comporta, o que deixa claro que os SUV despiram a pele de “capazes de chegar a todo o lado” sendo antes elementos de estilo.
O esquema das suspensões e a plataforma Giorgio tiveram de ser alteradas, nomeadamente, molas mais compridas e, naturalmente, mais duras para contrabalançar o maior peso do Stelvio. Que, mesmo assim, graças á utilização de um veio de transmissão feito em carbono, motores com blocos em alumínio e alumínio utilizado no capot, na tampa da mala, nas portas e nos guarda lamas e ilhargas traseiras. E no final do dia, os 1660 quilos são inferiores aos 1805 kgs do BMW X3 (menos 145 kgs) e aos 1845 kgs do Porsche Macan, comparando versões equivalentes, claro.
Como referi acima, tocou-me em sorte um Stelvio Q4 com motor 2.0 litros com 280 CV. Ainda não conheço a versão a gasóleo, mas para mim um Alfa Romeo tem de ser a gasolina. Este motor é excelente e mesmo não chegando aos calcanhares do V6 Busso os anos 70, a verdade é que tem sonoridade de motor grande (cortesia da moderna tecnologia…) e tem força suficiente para nos empurrar dos 0-100 km/h em 5,7 segundos! O famosos “Cuore Sportivo” está aqui sublinhado com este motor que, acoplado à caixa automática de 8 velocidades, parece um casamento feito pelos deuses. E para quem gosta de emoções fortes, há um modo manual que quando rolamos com o modo Dynamic ligado, nos permite usar as enormes (mas tão bem colocadas) patilhas atrás do volante solidárias com a coluna de direção e não com o volante. E fique descansado que são tão grandes que mesmo baralhado nas voltas com o volante, elas estarão sempre acessíveis. Excelente!
E se recorrer ao DNA (modos de condução Dynamic, Normal e All Weather) verá que a tentação de recorrer ás belas patilhas é enorme. Isto porque se deixar tudo na mão da eletrónica, no modo Normal verá as passagens de caixa serem feitas nos limites da faixa vermelha do conta rotações – infelizmente o cumprimento das normas de anti-poluição limita o motor a parcas 6800 rpm – ao passo que se colocar no Dynamic e no modo manual, a caixa faz o motor subir de rotação e fica à espera que lhe dê ordens para passar á mudança seguinte. E se carregar a fundo no acelerador no modo Dynamic e automático da caixa, leva um pontapé nas costas, desnecessário, mas que mostra como quem desenhou e desenvolveu o Stelvio sabe uma coisa ou duas sobre automóveis.
A curvar, o Stelvio impressiona, pois, os movimentos da carroçaria estão muito bem controlados, a aderência do eixo dianteiro é brilhante e não há dúvidas que o espírito e a habilidade do Giulia estão bem replicados no Stelvio. Em estradas mais enroladas, as leis da física não dão grande veleidade ao SUV da casa de Arese e se abusamos da velocidade de entrada em curva, a frente descola e temos de levantar o pé pois… não há milagres. Para conseguir andar depressa a receita é simples: sacrifica-se a velocidade de entrada em curva, e assim que passamos o vértice da curva (ou “apex” como alguns conhecerão) saltamos para o acelerador. A traseira começa, de imediato, a escorregar, mas quando chega a altura de fazer contra brecagem, já o sistema Q4 mandou, praticamente, metade do binário para as rodas da frente e o Stelvio sai disparado quem nem uma bala. Em muitas situações, o controlo de estabilidade e de tração nem chega a entrar em ação!
A direção tem um peso perfeito, exibe alguma sensibilidade e é muito direta o que pode ser uma benção ou uma maldição, pois exige alguma habituação, particularmente se usarmos um ritmo “vivace” com o Stelvio. Critica tem de ser feita aos travões. Não por falta de potência, mas porque a primeira impressão não é muito simpática e parece que não temos travões. Só depois de passar o meio curso de pedal é que percebemos que os travões estão e encurtam espaços de forma apreciável.
Sem aventuras e rolando a velocidades tranquilas e domingueiras, o Stelvio impressiona pela pose, pelo conforto e pela ausência de ruídos vindos da estrada. Neste particular faz bem melhor que muitos dos seus categorizados adversários.
Veredicto
As dimensões e, sobretudo, a altura, não deixam que o Stelvio seja capaz de desafiar um Giulia na Serra de Sintra ou a subir ao Bom Jesus de Braga. Ou desafiar um Porsche Macan tendo a certeza que ganha. Mas um Stelvio é muito mais espaçoso que um Giulia, é ainda mais giro e com este motor a gasolina – que gasta, segundo as minhas medições, bem menos de 9 litros por cada centena de quilómetros sem ter preocupações de poupar e com muita paródia pelo meio – é quase perfeito. No final do dia, o Alfa Romeo Stelvio é um excelente carro que merece ser olhado de outra forma. Finalmente, a casa do Biscione tem um produto que se pode comprar com razão e emoção e mesmo que não seja tão virulento como os Alfa Romeo do passado, é um extraordinário carro e merece ser olhado com carinho caso esteja a pensar comprar um SUV. Acredite que mais que o Giulia, este é o Alfa Romeo certo a comprar e, ainda por cima, não é escalandosamente caro!
FICHA TÉCNICA
Alfa Romeo Stelvio Q4
Motor 4 cilindros em linha, injeção direta, turbo; Cilindrada (cm3) 1995; Diâmetro x curso (mm) nd; Taxa compressão nd; Potência máxima (cv/rpm) 280/5250; Binário máximo (Nm/rpm) 400/2250; Transmissão e direcção Tração integral, caixa automática de 8 vel.; direção de pinhão e cremalheira, com assistência elétrica; Suspensão (fr/tr) Independente duplo triângulo sobreposto; independente, eixo multibraços; Dimensões e pesos (mm) Comp./largura/altura 4687/1903/1671; distância entre eixos 2818; largura de vias (fr/tr) 1613/1653; travões fr/tr. Discos vent.; Peso (kg) 1660; Capacidade da bagageira (l) 525; Depósito de combustível (l) 64; Pneus (fr/tr) 235/60 R18; Prestações e consumos aceleração 0-100 km/h (s) 5,7; velocidade máxima (km/h) 230; Consumos Extra-urb./urbano/misto (l/100 km) 5,9/8,9/7,0 (consumo real medido 8,7 l/100 km); emissões de CO2 (g/km) 161; Preço da versão ensaiada (Euros) 65.000