
Rali de Portugal 2022: Rovanpera extraordinário, adversários em apuros
24/05/2022O Rali de Portugal 2022 provou que Rovanpera pertence a outra estirpe de piloto e que os adversários estão em apuros. Mas a prova portuguesa provou outras coisas.
A primeira prova em pisos de terra dos novos Rally1 híbridos deixou clara a superioridade de Kalle Rovanpera e da Toyota. Por outro lado, Hyundai e Ford andam, literalmente, aos papéis!

Rali de Portugal 2022 consagra Kalle Rovanpera
O Mundial de Ralis 2022 tem 13 provas e estar a entregar o título a Kalle Rovanpera tão cedo pode ser um enorme erro. Porém, após a exibição do jovem de 21 anos no difícil e duro Rali de Portugal, são 46 os pontos de vantagem para Thierry Neuville. E o piloto da Toyota já ganhou na neve, no asfalto e na terra!
Mais! Rovanpera superou o derradeiro teste: começou, pela primeira vez, uma prova em pisos de terra como primeiro carro na estrada e… venceu! Era a prova que faltava para ficar claro que o finlandês, filho de Harri Rovanpera, é de outra estirpe. É da mesma fibra que grandes nomes que deixaram o seu nome gravado a letras de ouro na história do Mundial de Ralis.




Sebastien Ogier queixou-se, sempre, desta regra. Rovanpera não se queixa. Durante os dominantes anos da Volkswagen, o francês ultrapassava a dificuldade sem problemas. Sebastien Loeb também fez o mesmo nos muitos anos que esteve na Citroen.
Kalle Rovanpera encarou o tempo perdido nos primeiros troços como normal sem se assustar com o 10º posto após a primeira classificativa. Foi elevando o ritmo, evitou com maestria as armadilhas da prova portuguesa e fechou o terrível dia de sexta-feira no segundo lugar a duas mãos cheias de segundos do líder Elfyn Evans.
Tendo conseguido mitigar o efeito de limpeza da estrada, Rovanpera “atacou” o terceiro dia de prova, o comando do rali e usou o troço mais longo do Rali de Portugal 2022 para chegar à liderança. Depois, andando apenas o necessário, voltou a oferecer um recital de pilotagem na “Power Stage” para ganhar pela terceira vez consecutiva em 2022, na neve (Suécia), no alcatrão (Croácia) e na terra (Portugal).
Está completa a formação do prodígio finlandês que começou a pilotar aos 8 anos. Foi formatado para isto e encontrou na Toyota de Jari Matti Latvala o melhor ninho para crescer. A fasquia elevou-se até ao céu onde está o objetivo de 2022: o título de Campeão do Mundo de Ralis!

Ford com entrada de leão no Rali de Portugal 2022… e saída de sendeiro
Assentar as expectativas de vitória, no limite um pódio, num piloto que está em part-time e a caminho dos 50 anos, mesmo sendo recordista de títulos e vitórias no WRC, revela muito sobre uma equipa. A formação de Malcolm Wilson chegou a Portugal com cinco Ford Puma Rally1. E, claro, Sebastien Loeb era a melhor aposta da casa britânica para a vitória. O feito conseguido em Monte Carlo exagerou, claramente, as expetativas.
O francês venceu no seu quintal, apanhou todos os adversários a apalpar terreno e acabou por ganhar no braço a Ogier. O piloto da Toyota sofreu um furo, é verdade, mas contas feitas a diferença entre os dois ficaria do lado de Loeb.

O Rali de Portugal 2022 era outra conversa. “Só” venceu duas vezes (Ogier ganhou cinco), a evolução do Puma tem sido mais lenta que a do Yaris e do i20 N e desconhecia-se a valia do Ford em terra.
A verdade é que Loeb mostrou aquilo que ainda é capaz: andou a perceber como controlar o Puma, encontrou o ritmo e após três troços saltou de sexto para a liderança do Rali de Portugal 2022. Ninguém abriu a boca de espanto. Mas todos ficaram boquiabertos quando na especial seguinte, 20 metros depois de arrancar para o troço da Lousã, Sebastien Loeb, vencedor de 80 ralis do Mundial, cometeu um erro de principiante!
Com pneus de terra frios em cima de alcatrão polido, o francês facilitou e destruiu a traseira direita do Puma Rally1. Acabava o Rali de Portugal para Loeb… e para a Ford!

Craig Breen continua a não mostrar o andamento que exibiu na Hyundai e permanece afetado por problemas ridículos. Uma porta mal calafetada deixou entrar tanto pó que no “stop” de um dos troços havia mais pó dentro do carro que cá fora.
Depois, foram furos, problemas mecânicos, enfim, um calvário que colocou mais um prego no caixão em que se está a transformar esta temporada de 2022 para Breen. O oitavo lugar empurra-o para o sexto posto do campeonato a 72 pontos de Rovanpera.

Depois são os problemas do costume na Ford. Gus Greensmith está a andar mais, mas continua irregular. E pode acordar todos os dias a pensar que vai chegar ao pódio. Não chega e sempre que acelera o ritmo, ou fura ou estraga o carro ou este deixa-o na mão.
O melhor da Ford no Rali de Portugal 2022 foi… Loubet!
Adrien Fourmaux esteve para não vir a Portugal depois de ouvido “I believe i can fly” no Monte Carlo e destruído o jardim a um senhor na Croácia. Dois carros para a sucata e demasiada ansiedade. Malcolm Wilson entendeu que deveria dar a Fourmaux mais tempo no carro e o francês adotou o andamento da tartaruga.

Ofereceu um ou outro lampejo de talento, mas cometeu o pecado mortal de levar apenas um pneu suplente para a segunda ronda de troços da sexta-feira maldita. Entusiasmou-se, parecia a caminho de mais uma vitória em troços do Mundial… um furo acabou com a ilusão e o francês voltou a envergar a carapaça da tartaruga sendo o último dos WRC a mais de oito minutos de Rovanpera.
Então, qual foi o melhor homem da Ford? O piloto que paga para correr na M-Sport tal como Gus Greensmith. Chama-se Pierre Louis Loubet, é filho de Yves Loubet, esteve dois anos a rodar com um Hyundai i20 WRC (com paupérrimos resultados) ganhou fôlego com o Puma e fechou o Rali de Portugal em sexto a quase seis minutos do vencedor.
Remate final: o Ford Puma Rally1 é um excelente carro e em pisos diferenciados venceu o Toyota GR Yaris e o Hyundai i20N. Leia-se Monte Carlo. Nos pisos de terra, Loeb provou, de forma efémera, que o Puma é um carro bem-nascido. Porém, a M-Sport terá de trabalhar na fiabilidade e na resolução de coisas de Lineu como a calafetação do habitáculo do Puma. É que nenhum dos quatro carros que restaram depois do erro absurdo de Loeb, teve saúde ao longo da prova!

Hyundai demora a encontrar o rumo
Andrea Adamo já tinha dito que a inércia da Hyundai era um problema. Confidenciou-me isso em 2019, numa entrevista. Saiu da casa coreana e no seu lugar… não está ninguém. Com problemas de liderança na equipa, juntando a isso uma tardia decisão da Hyundai em permanecer no WRC por três anos com a nova regulamentação híbrida, o i20 N Rally1 não é um carro bem-nascido.

Julien Moncet tem feito o seu papel, mas percebe-se que a Hyundai está… perdida! Desde logo pela decisão tomada de tratar do i20 N dirigindo os esforços para os ralis de terra. Não espantou as dificuldades no Monte Carlo (Neuville foi o melhor a quase oito minutos de Loeb), mitigadas pelas condições na Croácia que ofereceram um segundo e um terceiro lugar a Ott Tanak e Thierry Neuville, respetivamente.
A desilusão veio a galope e em Portugal a chapada foi violenta. O i20N que deixou Moncet tão feliz na Croácia, afinal não evoluiu o que se esperava. Não é melhor que a versão de asfalto e se eram os pisos de terra que seriam a salvação, a boia de salvação da Hyundai Motorsport… esvaziou-se.

Mas muito mais preocupante é o estado de ânimo dos pilotos. Dani Sordo estreou-se no Mundial de 2022 e, mais uma vez, foi ele quem assegurou o resultado para a Hyundai. Fez a primeira prova com o carro híbrido e logo num rali tão dificil. Conseguiu o pódio no Rali de Portugal, “roubando-o” na “Power Stage” a Takamoto Katsuta. O espanhol está feliz da vida.

Pilotos Hyundai estão… fartos!
Thierry Neuville é um homem complicado que ameaça ser o rei dos segundos lugares em edições sucessivas do Mundial de Ralis. Como piloto pede meças a todos e é capaz das coisas mais extraordinárias, mas também comete dos erros mais estapafúrdios.
No Rali de Portugal, o belga conheceu muitos problemas – menos que na Croácia, mesmo assim! – e esteve a prova toda a queixar-se da fiabilidade do i20N.
A gota que quase transbordou o copo da paciência foi a perda de uma roda numa ligação devido a uma quebra de um semieixo. Teve de resolver, uma vez mais, o problema e arrastou-se até final da etapa com três rodas motrizes. As fotos que tirou ao carro e o impropério que vociferou no final do troço de Mortágua deixaram claro o que pensa do carro e da Hyundai.
Ott Tanak é mais reservado, mas passou a prova a apontar dificuldades com a afinação do carro e da sua incapacidade de andar depressa quando o Hyundai estava bem. Da suspensão a um suposto problema de transmissão, passando pelos pneus Pirelli, enfim, uma manta de desculpas e críticas.

Com um carro que não está a corresponder às suas expetativas, Neuville e Tanak estão à beira de um ataque de nervos e percebe-se que o nível de paciência está nos mínimos. E Neuville foi sibilino, quiçá, assassino, quando no final da “PowerStage”, disse “Penso que devemos dar os parabéns à Toyota pelo seu extraordinário resultado este fim-de-semana e pela sua fiabilidade.”
Já na sexta feira tinha dito aos jornalistas que desde o Rali de Monte Carlo de 2021 tinha sofrido nada menos que 14 problemas técnicos nos seus carros! Juntamos as duas coisas e percebe-se que Thierry Neuville está farto! E Ott Tanak, ainda por cima afetado com problemas familiares, tem a “panela de pressão” a apitar…

Rali de Portugal destaca dianteira da Toyota
A Toyota não entrou de forma perfeita no Monte Carlo e teve de se vergar à Ford e a Loeb. Mas foi por pouco e percebeu-se que o GR Yaris era um carro bem-nascido. Que já ganhou em neve e gelo, alcatrão e terra. Com uma facilidade que Ford e Hyundai ainda procuram e uma fiabilidade que faz inveja.
Se Elfyn Evans é um valor seguro que perdeu dois campeonatos para Sebastien Ogier por erros seus, Ronvanpera é o piloto que vai dar os títulos à Toyota. A minha longa experiência diz-me para não ser entusiasta e aguardar para ver se o finlandês vai, ou não, ser campeão. A carpete vermelha está estendida resta saber se o jovem piloto manterá os nervos de aço. E se alguém quiser apostar contra mais uma vitória de Rovanpera na Sardenha, pode estar a mandar dinheiro pelo ralo abaixo…

Porém, tenho de dizer que Ogier desiludiu com um rali longe daquilo que o francês sempre fez entre nós. Tem uma pequena atenuante: este é o rali onde venceu pela primeira vez no Mundial, mas o seu coração está muitos quilómetros abaixo do Porto, precisamente em Faro. E aí foi rei e senhor.
Este ano foram erros táticos – levar apenas um pneu suplente para uma segunda ronda tão dura de sexta-feira foi de principiante e custou-lhe o abandono – furos e um despiste. Tudo se conjugou para um Rali de Portugal para esquecer.

Yohan Rossel ganha WRC2 às custas de Teemu Suninen
O piloto finlandês é um caso de estudo! Tinha um minuto de avanço para Yohan Rossel à entrada da “Power Stage” e não era preciso esforço assinalável para ganhar o troço, pois o francês estava de braços caídos.
Pois Teemu Suninen conseguiu a proeza de sair de estrada poucos metros depois da partida de forma definitiva, entregando de bandeja a vitória a Yohan Roussel, a segunda da temporada.
Mas mais que isso, Suninen tinha batido Andreas Mikkelsen até um furo ter atrasado o finlandês. Mas regressou ao comando do WRC2 e, depois, viu o piloto do Skoda Fabia ter de abandonar devido a um motor partido. A vitória estava ao virar da esquina e Suninen estragou tudo.

Teemu Suninen é rápido, disso ninguém tem dúvidas. Foi isso que lhe valeu estar ao volante deste Hyundai i20 N Rally2 e abrir um postigo que lhe permitia ver um i20 N Rally1 preparado para si para disputar a Finlândia ou a Estónia.
Pois, acabou de fechar esse postigo com este incidente e cinco anos depois do Rali da Finlândia que o deu a conhecer – onde esteve em segundo ao volante de um Ford Fiesta WRC até que no penúltimo troço fez um pião – percebe-se porque a Ford não reteve Teemu Suninen e porque ninguém lhe quer dar um carro oficial.
Rali de Portugal 2022 celebrou 50 edições do WRC e expôs falhas dos Rally1
O primeiro rali em pisos de terra com os novos Rally1 híbridos deixou pistas para o futuro. O sistema híbrido terá de ser revisto. Os carros terão de ser revistos no sentido de serem menos duros para os pilotos. Na sexta-feira, pilotos houve que ficaram à beira da exaustão devido às elevadas temperaturas sentidas dentro do carro. Enfim, há que fazer alguma coisa até porque na Sardenha e no Quénia as coisas devem ser, ainda, mais complicadas.

Como resolver a situação? Será complicado sem instalar um ar condicionado. Porque a origem do problema está na forma como os Rally1 estão projetados. Como sabem, os carros são modelos com chassis tubular, onde há uma gaiola de segurança igual para todos e ligações de suspensão, motor e transmissão através de outra estrutura tubular.
Ora, esta estrutura permite que haja alguma liberdade de arrumação dentro do carro. Mas essa liberdade acabou quando a FIA proibiu o escape encaminhar-se para a traseira por baixo da unidade híbrida. Não podendo o escape seguir pelo meio do carro, os engenheiros foram forçados a encontrar uma solução. Qual?
Fazer o escape seguir pelo lado direito do carro, passando ao lado da unidade híbrida, dentro da treliça que suporta a gaiola de segurança, a carroçaria e os apoios das preguiças que suportam o carro no parque de assistência.
Olhando aos três carros, a Hyundai e a Ford sacrificaram o equilíbrio “empurrando” piloto e navegador mais para a frente. Mesmo assim, algumas botas são foram queimadas devido ao calor do escape!
Na Toyota, piloto e navegador estão mais atrás e, talvez por isso, o calor é ainda maior para os navegadores.

Todos os pilotos, sem exceção, queixaram-se e a FIA está sensível a este problema. Mas, como sempre, a federação alija carga ao referir que este é um problema que vem desde o ano passado. Que as equipas sabiam e poderiam ter feito alguma coisa antes de homologarem os carros.
Desta feita até tenho de concordar com a FIA e com Robert Reid. Como sempre, o elemento humano é sacrificado no altar da competitividade e o conforto – não o que sente no seu carro, mas conforto em termos de segurança dos pilotos – totalmente negligenciado. As botas derretidas de alguns dos navegadores provam isso mesmo!
O problema não será resolvido para a Sardenha nem para o Quénia e, acredito eu, nem para o resto da temporada.
É uma questão grave, pois na Sardenha vão estar mais de 30 graus no exterior e dentro do carro cerca de 70! Provavelmente, algo será feito apenas quando um piloto desfalecer dentro do carro!