
Sabia que o escape pode ser determinante num WRC?
25/05/2022Sabia que a forma como o escape está posicionado pode ter importância decisiva na aerodinâmica de um Rally1? A explicação… aqui!
Pode estar a pensar que perdi a noção do juízo e que apanhei demasiado sol. O escape? O posicionamento do escape?! Influência no desempenho aerodinâmico de um carro de ralis?!
Primeiramente, tenho de lhe dizer que qualquer coisa num carro de competição tem influência no desempenho, seja em pista seja num troço de ralis ou num percurso de todo-o-terreno. Verdadeiramente tudo!
Como referi em outro artigo sobre o Rali de Portugal, o conforto dos pilotos e navegadores é a última prioridade quando se busca o sucesso. Por isso, não fique boquiaberto quando lhe digo que o posicionamento do escape é, deveras, importante!

A aerodinâmica é muito importante
O posicionamento do escape é importante, mesmo que coisas como o motor, asas, e transmissão sejam primordiais na performance do carro. Porém, há uma ameaça ao desempenho dos carros de ralis onde o escape tem papel importante.
Sabia que falamos do coeficiente de arrasto? Vamos a uma ideia básica de aerodinâmica.
Quando um dado objeto (no caso, um carro) viaja num espaço tem de percutir o ar afastando-o do seu caminho para avançar. Está bom de ver que isso cria uma zona de pressão na frente do objeto, neste caso o carro. Porquê?

O que é o arrasto?
Porque quando o ar embate num objeto comprime-se. Se na frente nasce uma zona de alta pressão, atrás cria-se uma zona de baixa pressão. Porquê? Porque o ar não é capaz de preencher o espaço atrás do carro de forma suficientemente rápida. Como é que isso acontece?
Porque o fluxo descola do corpo do carro nas extremidades traseiras. Depois, a diferença de pressão entre a frente e a traseira faz com que nasça uma força na direção oposta à do movimento do veículo. Este é o famoso arrasto!
Sabia que quanto mais depressa o carro se move, maior arrasto cria. O problema é grave pois quando duplicamos a velocidade, quadruplicamos o arrasto!
A definição de arrasto é esta: o arrasto é uma força mecânica gerada por um objeto sólido que se move através de um fluído.

Como se contraria o arrasto?
Ora, aplicando isto a um carro de ralis, temos na frente uma zona de alta pressão quando o ar é comprimido devido ao embate na frente do carro, gerando uma zona de baixa pressão na traseira quando o ar recircula a caminho da traseira. Assim nasce a força de arrasto que puxa o carro no sentido contrário ao da marcha. Agora, como é que se resolve esta situação?
Podemos aumentar a pressão na traseira, preencher melhor o espaço vazio e reduzir o arrasto com a utilização de uma asa traseira, um spoiler de tejadilho (é por isso que a maioria dos carros de estrada têm esse spoiler), um para choques específico, um difusor ou os gases de escape.

Sabia que a FIA deu uma ajuda às equipas quando lançou o regulamento WRC+ autorizando os difusores. O que é um difusor? É um dispositivo assimétrico colocado na parte inferior do veículo com inclinação e pequenas aletas condutoras do ar para o acelerar quando este passa por baixo do carro rumo à saída pela parte traseira.
A aceleração do ar cria o efeito de sucção, logo, mais força descendente. Com mais força descendente (downforce) o carro fica colado ao chão e anda mais depressa em curva. Esta é a forma mais simples de aumentar a pressão atrás e reduzir o arrasto.

Porém, um objeto mal posicionado no difusor pode perturbar de forma significativa o efeito de adesão ao solo e voltar a aumentar o arrasto.
Por essa razão, vemos que todos usam os escapes de forma lateral ou por cima do difusor para não haver perturbação.
Sabia que nos carros de ralis é exatamente a mesma coisa? e se olharem as fotos dos carros de 2021 verificámos que o Toyota Yaris e o Ford Fiesta tinham o escape por cima do difusor, enquanto o Hyundai tinha o escape do lado direito. Mas… não era preciso estar a meio para não prejudicar o fluxo?
Desconheço a razão, mas acredito que os engenheiros da Hyundai aceitaram que o i20 WRC tivesse uma redução desigual do arrasto. Provavelmente, conquistavam a igualdade com poupanças em termos de arrefecimento.

Sabia que o escape tem influência na aerodinâmica?
Primeiro: já sabemos que há diferentes pressões à frente e atrás do carro quando este está em deslocamento. Depois, sabemos que isso acontece porque o ar não consegue preencher o vazio criado atrás do carro, criando arrasto, a tal força que corre ao contrário do sentido da marcha.
O arrasto reduz-se, entre outras formas, com o preenchimento da zona de baixa pressão com mais ar. Mas… qual ar? O ar dos gases de escape!
Sabia que os gases saídos do escape vêm muito mais quentes do que o ar ambiente e quando o carro está em modo “Stage” e percorre um troço, essa temperatura é ainda maior. O escape incandescente é algo habitual num carro de ralis.
As diferenças de temperatura acentuam-se quando o carro percorre um troço rápido (média acima dos 120 km/h como na Suécia). Ou quando o troço está muito acima do nível do mar.
Ora, nos novos carros Rally1 híbridos os gases de escape têm, agora, ainda maior importância. É que os difusores foram proibidos (para reduzir o efeito aerodinâmico de força descendente e o efeito de sucção) e a zona de baixa pressão é maior sendo os gases de escape essenciais.

Sabia que os engenheiros descalçaram a bota de forma inteligente?
Em primeiro lugar, repensaram o sistema de escape, a sua forma e o caminho do bloco até à traseira. Os escapes laterais estavam descartados – se os difusores fossem mantidos poderiam surgir algumas saídas de escape lateral – devido à ausência do difusor.
Depois, tiveram de encontrar entradas de ar para arrefecer as unidades híbridas, as “orelhas” que conhecemos no Toyota GR Yaris e no Ford Puma. No Hyundai, as entradas de ar são mais bem integradas no desenho do carro. Mas depois é preciso retirar o ar quente! Como?

Os engenheiros da M-Sport colocaram um grande ventilador por baixo do acesso da bagageira para empurrar o ar que passa pelo sistema híbrido e fica quente para fora do carro. Já na Toyota, são usados dois ventiladores posicionados exatamente no mesmo sítio para aturar o ar quente para fora do carro. A Hyundai preferiu não instalar ventiladores, optando por condutas com duas enormes saídas no para choques traseiro.
Sabia que estas soluções permitem aumentar a pressão na traseira. Toyota e Ford forçam esse preenchimento com os ventilados que expulsam ar quente que se junta aos gases de escape, a Hyundai colocou o escape a meio e as duas saídas de ar de cada lado para ter o mesmo efeito.

Quer isto dizer que o GR Yaris e o Puma conseguem acelerar o ar que sai do carro dando mais dinâmica ao ar que passa por baixo do carro. A Toyota é a única que aproveita o regulamento e tem a zona entre o eixo imaginário das rodas posteriores e o fim da traseira inclinado 8 graus.
A forma da traseira e o sistema de extração de ar levou a Toyota e a Ford a colocar a saída de escape do lado direito. Como referimos, o escape está a meio no Hyundai. Qual é o melhor?
A Hyundai tem uma solução interessante que permite um melhor equilíbrio no preenchimento da zona de baixa pressão. Porém, a Ford terá encontrado a solução mais robusta com um ventilador de generosas dimensões e que funciona de forma independente. Ou seja, o ventilador funciona independentemente da velocidade do carro. No caso da Toyota, não tendo dados para analisar, apenas as vitórias alcançadas em três das quatro provas disputadas, o sistema será equilibrado. Ainda assim, sabemos que a Toyota tem tido algumas dificuldades quando os pilotos escolhem levar duas rodas suplentes. Talvez o peso extra faça diferença na forma como o GR Yaris preenche a zona de baixa pressão atrás do carro.
Seja como for, nenhuma das soluções consegue nivelar a performance aerodinâmica com os WRC+. A perda de apoio foi grande e os carros, apesar de mais potência, andam menos em curva. E talvez por isso, alguns pilotos, mesmo mais experientes, têm tido saídas de estrada pouco habituais.
Sabia que há outra questão que tem estado a dar dores de cabeça aos engenheiros? Falamos das “orelhas” de refrigeração do sistema híbrido. Mas isso fica para outro artigo…